Segundo o Censo 2010, 88 mil crianças com idades entre 10 e 14 anos já estavam casadas pelo Brasil. Quando se analisa a faixa etária de 15 a 17 anos, o número de uniões dispara para 567 mil.
Diante destes dados, pesquisadores viajaram até o Pará e ao Maranhão, onde o casamento infanto-juvenil é comum, na tentativa de coletar mais informações sobre o problema.
Ao todo foram entrevistadas 60 pessoas, garotas entre 12 a 18 anos e seus maridos, todos com mais de 20 anos. Além deles, parentes das crianças e funcionários da rede de proteção à infância e adolescência no país também participaram da pesquisa.
Logo os pesquisadores averiguaram que o casamento infantil no Brasil se difere em muito das uniões arranjadas em países da África e da Ásia, onde jovens são prometidas pelas suas famílias a casar com desconhecidos. No norte do Brasil, este fenômeno é marcado pela informalidade, pobreza e repressão da sexualidade feminina. Apesar de grande parte das uniões serem consensuais, as jovens enfrentam sérios problemas.
Segundo a pesquisadora Alice Taylor, coordenadora do levantamento, a falta de perspectiva de vida dos jovens e a vontade de sair de casa em busca de condições melhores são os principais motivos do casamento precoce.
Em entrevista à BBC, ela explica que muitos buscam fugir dos abusos que sofrem em casa e da vida na prostituição. Desta forma, convivem com a miséria e o uso abusivo de drogas.
"Porque eu tava entrando na minha adolescência, eu queria sair, eu queria curtir, queria andar. Eu me relacionei com ele, namorei com ele três meses, ele me convidou pra morar na casa dele, aí eu fui pra casa dele. Não gostava muito dele, eu só fui mesmo pelo fato de o meu padrasto (me maltratar), aí na convivência nossa ele (o marido) me fez aprender a gostar dele, e hoje eu sou louca por ele", disse uma garota aos pesquisadores. Ela se casou grávida aos 12 anos com um rapaz de 19. No relato há indícios de que ela teria sido abusada pelo padrasto.
Coordenadora da pesquisa em Belém, Maria Lúcia Chaves Lima afirmou que grande parte das entrevistadas falou sobre o casamento como algo natural, apesar da pouca idade. "É uma realidade naturalizada e pouco problematizada na nossa região", explicou a professora da UFPA.
Segundo ela, a gravidez é o principal motivo do casamento precoce no país, onde a união é vista como a solução para controlar a sexualidade feminina. "A lógica é: 'melhor ser de só um do que de vários'. O casamento também aparece como forma de escapar de uma vida de limitações, seja econômica ou de liberdade", continuou.
O casamento infantil é definido pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança como uma união envolvendo um dos pares com menos de 18 anos. É visto como uma violação aos direitos humanos.
Uma estimativa da Unicef em 2011 mostra que o Brasil é o quarto país no ranking de mulheres casadas antes dos 15 anos. Ao todo, seriam 877 mil mulheres entre 20 e 24 anos que afirmaram ter se casado com menos de 15. Entretanto, a estimativa exclui paises como China, Bahrein, Irã, Israel e outros por falta de dados.
No Brasil, a idade legal para o casamento é estipulada em 18 anos tanto para homens e mulheres, mas a legislação possui diversas exceções. Uma delas, compartilhada por vários países, libera a união com o consentimento dos pais das duas partes a partir dos 16. Outra seria o casamento antes dos 16 anos em caso de gravidez.
Na maioria das vezes, segundo a pesquisa, em vez de serem controladas pelos país, as jovens passam a ser submissas ao marido, sendo afastadas do estudo ou do mercado de trabalho. "Queremos alertar que essa situação não é apenas restrita aos rincões do país. As entrevistas foram feitas em Belém e São Luís, o que mostra que é uma questão que ocorre nos centros urbanos", encerrou Alice Taylor.
