Pernambuco cria protocolo para combater feminicídios


Pernambuco cria protocolo para combater feminicídios

Mulheres continuam sen­do assassinadas em todo o Brasil unicamente pela condição de serem mulheres. Crime que, desde 2015, graças a um decreto-lei, passou a ser chamado defeminicídio e considerado hediondo. Nesta sexta-feira, a Polícia Civil de Pernambuco, dentro de uma operação nacional batizada de Cronos, cumpriu quatro mandados de prisão nos municípios de Recife, Goiana, Caruaru, Afogados da Ingazeira, além de outros dois mandados cumpridos antecipadamente no dia 22, no Cabo de Santo Agostinho, visando combater esse tipo de crime.
Em todo o País, a Operação Cronos prendeu 643 suspeitos, como pode ser visto mais detalhadamente no caderno Brasil. Alguns dos responsáveis por fazer com que o País registrasse, em 2017, o alarmante número de 4.539 mulheres assassinadas, dos quais 1.133 foram considerados feminicídios. Um aumento expressivo se comparado ao ano de 2016, quando foram registrados 929 casos do tipo. Na contramão, Pernambuco, que teve 112 feminicídios registrados em 2016, diminuiu o número para 76, em 2017, saindo da 6ª para a 9ª posição no ranking nacional. A maior redução percentual (-32,6%) na taxa anual. Esses dados são do Fórum Nacional de Segurança Pública, baseados nos dados da Secretaria de Defesa Social (SDS) que aponta, ainda, 2018 com 29 registros de feminicídios até o mês de julho.
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“Isso porque as mulheres passaram a ter uma maior percepção do que é a Lei Maria da Penha, criada há 12 anos, e passaram a procurar ajuda. Existe toda uma rede que vai crescendo e se fortalecendo para aplicar essas leis e proteger as mulheres”, explica a secretária da Mulher de Pernambuco, Silvia Cordeiro, que anunciou, ontem, a criação de um protocolo inédito no Brasil criado para fortalecer o combate à violência de gênero. O protocolo, que adere às diretrizes do Modelo Latino-Americano de Investigações de Mortes Violentas de Mulheres por Razões de Gênero, indicado pela ONU, será lançado na próxima terça-feira. Trata-se do primeiro documento do país estruturado em forma de Resolução Conjunta, realizado com a participação das secretarias estaduais da Mulher, Justiça e Direitos Humanos, Defesa Social, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça de Pernambuco e Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
Rio de Janeiro, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Piauí e Maranhão possuem o protocolo, mas em sistemas isolados e com atuação separada. “Para dar sustentabilidade e fazer articulações entre as instituições, o protocolo vai ser único. A Polícia sabe como o Ministério vai atuar, que por sua vez sabe os passos que a polícia fez para chegar a essa evidência. A gente quer que esses profissionais tenham um trabalho coordenado”, ressalta Silvia Cordeiro. De acordo com a secretária, é um instrumento que fará com que os profissionais do sistema de segurança e de justiça comecem a fazer o trabalho de investigação, processo e julgamento a partir de uma perspectiva de gênero.
“Então, vamos ter estatísticas reais de quantas mulheres ainda estão sendo assassinadas por essa condição e atuar na prevenção. Daí a importância de se dar o nome correto para esse tipo de crime, feminicídio.” O decreto que alterou a nomenclatura de crime passional para feminicídio foi assinado há quase um ano, no dia 4 de setembro de 2017, pelo governador Paulo Câmara, e foi o primeiro passo para a criação do protocolo. “O segundo foi instituir o Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre Feminicídio. E agora o protocolo. Mas essas normas sozinhas não vão acabar com o problema. A sociedade tem que entender que todo esse crime está organizado em cima de uma cultura machista, patriarcal, o feminicídio é mais um resultado. Está na cultura. É preciso realmente um esforço da sociedade de trazer os homens para esse entendimento. O movimento de mulheres está fazendo a sua parte, pedindo para que deixem elas em paz. É possível mudar essa cultura”, espera Silvia. Um exemplo de iniciativa que vai de contra essa estrutura machista e patriarcal citada por Silvia é a Aqualtune Produções.
A produtora foi criada pela jornalista Lenne Ferreira há quase um ano para dar visibilidade a mulheres negras de periferia que tentam se inserir no mercado cultural, mas enfrentam várias dificuldades. “A Aqualtune surgiu assim porque eu fui reclamar a um produtor da cidade que fazia shows de MC e não tinha mulher. E ele disse: ‘Está achando ruim? Faz tu.’ É uma dificuldade enorme produzir mulheres de periferia porque elas muitas vezes não têm sequer a passagem. A gente se ajuda porque muitas vezes nem sapatos elas têm para poderem se apresentar. Porque mulher preta e periférica não tem dinheiro para essas coisas”, afirma Lenne.
Ela explica, ainda, que muitas dessas mulheres ainda precisam enfrentar problemas psicológicos causados a partir das várias violências às quais foram submetidas ao longo da vida. “Muitas são violentadas, são ansiosas. É muito difícil. Já tive que sair correndo para socorrer algumas delas. Depois de tudo isso a gente ainda tem que lidar com os homens que vêm com piadinhas para cima da gente, xingando. E aí a gente para e se pergunta pelo que está lutando, por que estamos gastando a energia toda da gente nisso? As pessoas não entendem e nem nunca vão entender.”
Lenne aponta Negrita MC como exemplo de artista que precisa enfrentar várias batalhas para poder trabalhar na área. “Ela não pode pegar o cachê e investir na carreira dela, tem que pagar o aluguel que está atrasado, sustentar o filho. Isso é muito sério. Como é que uma artista tem seis anos de carreira e não tem um disco gravado? Qual o problema aí? Estrutural.” Aos 22 anos, e com um filho de um ano, Negrita MC conta com essa rede de apoio para reescrever a própria história.
“Às vezes tenho que levar meu filho comigo para os eventos abertos porque eu não tenho com quem deixar. E aí as outras mulheres chegam junto, tomam conta, enquanto eu me apresento. Tirar o sustento disso é muito difícil, eu não tenho um emprego. Às vezes, os produtores querem ganhar dinheiro em cima da gente porque é mulher que canta rap, mas não é assim. Existe toda uma demanda atrás dessa mulher, que não quer ser só paga. A gente quer ser representada, respeitada. Fora que existe uma objetificação enorme do corpo da mulher no meio artístico e isso tudo é muito difícil para a gente.”
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou, em 2017, 60.018 casos de estupros, um a cada dez minutos. Violência muitas vezes fruto dessa objetificação reclamada por Negrita. Em Pernambuco, 1.287 casos de estupros registrados de janeiro a julho de 2017, e 1.412 no mesmo período de 2018. Um aumento de 10%. Maria Dolores Fastoso, uma das coordenadoras à frente do Coletivo Mulher Vida, que combate a violência doméstica, sexual e sexista, acredita na força das iniciativas da sociedade civil na luta pelo fim do ciclo da violência contra a mulher e reverter números alarmantes como esses.
“Muitas vezes essas violências acontecem dentro de casa, e são imperceptíveis, até que se chega a um extremo que é denunciado. Então o problema é muito maior e o trabalho precisa ser feito de forma mais integrada.” O Coletivo Mulher Vida existe desde 1991 e tem sede em Olinda, ajudando a encaminhar mulheres, do Grande Recife, vítimas de violência, em busca de seus direitos. “Apesar de todas essas leis, os serviços continuam muito precários, tem uma perspectiva muito jurídica. E a violência muitas vezes deixa uma série de outras sequelas na mulher que o jurídico apenas não é o suficiente. É preciso ter um olhar mais objetivo. Então trabalhamos com o acolhimento, desde o primeiro momento”, explica Dolores.
“Trabalhamos o empoderamento da mulher, para que ela consiga isso. Com promoção de cursos, com apoio psicológico. Não trabalhamos com o agressor, mas com toda a família. A partir do momento em que essas mulheres criam noção da situação de violência em que estão inseridas, se emponderam, elas têm mais chance de sair desse ciclo.”
Empoderamento
As discussões sobre violência de gênero abrangem as mais diversas esferas da sociedade, inclusive no mundo literário. O Projeto Leia Mulheres, lançado no Brasil em 2015, faz parte de uma onda internacional que questionou a presença de apenas 14 escritoras em uma lista de 101 autores indicados para “entender o século”, viralizada nas redes sociais e sites. Reconhecendo que o mercado editorial ainda é muito restrito e as mulheres não possuem tanta visibilidade, o Leia Mulheres está presente em quase 100 municípios brasileiros trazendo a discussão.
Em Pernambuco, os grupos se reúnem no Recife e em Belém de São Francisco. Os encontros na Capital Pernambucana acontecem há três anos, atualmente no Centro Cultural Benfica. “É um grupo de leitura aberto a quem quiser comparecer, mulheres e homens. Tem escritoras que atraem um público maior, 20, 25 pessoas, mas no geral vão umas 15 em cada reunião“, explica Carol Almeida, uma das mediadoras do Leia Mulheres.
Em setembro, aniversário do projeto na cidade, o grupo vai acompanhar duas obras: Morfologia da dor, de Julia Larré e Fragmentos da não-existência, de Ana Nepô. “São os livros que venceram o Prêmio Nacional Mariposa Cartonera de Literatura Escrita por Mulheres em 2017 e estão sendo lançados pela Cepe. Vai ser dia 17 de setembro.” Os encontros, de acordo com Carol, acabam virando uma terapia. “Isso acontece porque, inevitavelmente, seja nas entrelinhas seja na enunciação expressa das palavras que correm algumas das histórias e personagens com as quais cruzamos, existem narrativas de fortalecimento entre as mulheres, há respostas a algumas violências ditas ou não-ditas”, defende Carol.
“Não é difícil que, em meio a debates sobre prosa ou poesia, a gente se encontre falando e curando nossos próprios traumas não somente a partir da literatura, mas fundamentalmente com ela. Nesse percurso, várias fichas e lágrimas caíram, assim como vários novos afetos e relações de cumplicidade foram estabelecidos. E o fato de que priorizamos nesse último ano ter uma equivalência no grupo entre escritoras negras e brancas ajudou muito nesse processo.” Leia mais em Panorama página 16. (Via: Folha PE)
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