O procurador lembrou que Fernando Bittar, o suposto proprietário,
dissera em depoimento na semana passada que não levara a mão ao bolso
por imaginar que Lula e sua mulher Marisa Letícia, como beneficiários,
pagariam pelos confortos, orçados em R$ 1,02 milhão. Instado a se
explicar, Lula complicou-se: “Ele fala e você quer que eu explique?”
Considerando-se
que nenhuma empreiteira reformaria graciosamente um sítio pertencente a
um desconhecido chamado Bittar, o procurador insistiu em oferecer a
Lula uma chance de defesa. Mas o interrogado desperdiçou: “Se ele falou
que não pagou, achando que a Marisa tinha pago, eu não tenho mais como
perguntar (a ex-primeira-dama Marisa Letícia morreu em fevereiro do ano
passado).”
Espremendo-se o que Lula alegou durante o depoimento,
chega-se a um enredo que, por inacreditável, seria refugado até como
roteiro de telenovela. Nele, a família Lula da Silva se apropria de um
sítio alheio. Duas das maiores empreiteiras do país reformam a
propriedade. Dizem ter bancado o upgrade com verbas sujas, em
retribuição a facilidades obtidas nos governos petistas. O escândalo
ganha o noticiário. Vira assunto nas esquinas e nos botecos. Mas Lula,
beneficiário dos mimos, jura que nunca tratou do tema.
Viva,
Marisa Letícia foi pendurada nas manchetes como responsável pelos
primeiros pedidos de reforma do sítio. Entretanto, Lula assegura que não
conversou sobre a encrenca nem na alcova. Tampouco perguntou para
Bumlai, o pecuarista-companheiro, quem pagou pelas obras. Jamais tratou
do assunto com Bittar, o hipotético proprietário do sítio. “Não sou
daquele tipo de cidadão que entra na casa dos outros e vai abrindo a
geladeira. O cara tem a propriedade, o cara me empresta a propriedade.
Eu vou ficar perguntando: ‘O que foi que você fez?.”
Lula declarou
que também não lhe passou pela cabeça tocar o telefone para o amigo
Emílio Odebrecht. “Por que eu tinha que falar com o Emílio?” Espantou-se
não com a generosidade de Léo ‘OAS’ Pinheiro, mas com sua incúria. “O
que eu acho grave, que você deveria perguntar, é porque o Léo não
cobrou! Porque o Léo não cobrou? O cara que tem que receber é o cara que
vai todo santo dia cobrar. O cara que tem que pagar, se puder nem passa
perto.”
O procurador que inquiria Lula não passou recibo.
Pacientemente, refrigerou a memória do líder máximo do PT. Disse que o
sócio da OAS não lhe apresentara a fatura referente ao sítio porque já
se considerava pago e satisfeito com as contrapartidas que amealhara em
negócios firmados com a Petrobras.
Lula cobrou várias vezes
durante o interrogatório a exibição de provas que atestassem que ele
seria o proprietário do sítio. Foi informado de que, neste processo, a
questão da propriedade do imóvel não é crucial. O que está em causa é a
corrupção e a lavagem de dinheiro estampadas nas obras feitas em seu
benefício com dinheiro saqueado do Estado.
Logo na abertura da
audiência, Lula sinalizou a intenção de conturbar. A juíza perguntou-lhe
se estava ciente das acusações que pesavam contra ele. Lula disse que
não. Corrupção e lavagem de dinheiro, disse a substituta de Sergio Moro,
resumindo o conteúdo dos autos num parágrafo. Lula tentou fazer pose de
João sem braço: “Não, não, não, não. Eu imagino que a acusação que
pesava sobre mim é que eu era dono de um sítio em Atibaia.”
A
juíza Gabriela Hardt reiterou o que acabara de dizer. Lula voltou à
carga: “Doutora, eu só queria perguntar, para o meu esclarecimento,
porque eu estou disposto a responder toda e qualquer pergunta: eu sou
dono do sítio ou não?” Ao farejar as intenções do interrogado, a
magistrada apressou-se em puxar as rédeas:
“Senhor ex-presidente,
isso é um interrogatório. Se o senhor começar neste tom comigo a gente
vai ter problema. Então, vamos começar de novo: Eu sou a juíza do caso,
eu vou fazer as perguntas que eu preciso para que o caso seja
esclarecido, para que eu possa sentenciá-lo ou algum colega possa
sentenciá-lo. Então, num primeiro momento, eu quero dizer que o senhor
tem todo o direito de ficar em silêncio. Mas, neste momento, eu conduzo o
ato.”
Na última metade da sessão, Lula voltaria à carga: “Eu vim
aqui pensando que vocês iam me desmoralizar, pegar uma escritura,
mostrar que eu paguei, que eu recebi (a escritura do sítio). Vocês não
fizeram nada disso”. Puxa daqui, estica dali, o representante da Lava
Jato ofereceu corda para que o réu enforcasse seus advogados. “Se o
senhor não sabe qual é o objeto da ação, é um problema da defesa técnica
do senhor. Se o senhor se sentir indefeso, pode chamar a Defensoria
Pública.”
No ápice do interrogatório, o procurador aplicou em Lula
algo muito parecido com um xeque-mate: “No caso do tríplex, o senhor
alegava que as obras de melhorias do apartamento não foram para o senhor
sob o argumento de que o senhor nem ia lá. Agora, o senhor
constantemente estava no sítio, mantinha lá bens pessoais de toda ordem e
os empresários alegam que a obra era para o senhor. Eu gostaria do
senhor qual é a explicação que o senhor tem para isso, senhor
ex-presidente?”
Lula tentou desconversar. Seu advogado, Cristiano
Zanin, interveio. Houve um princípio de barraco. O réu cavou um
intervalo providencial. Pediu para ir ao banheiro. Ao retornar, Lula
ouviu o procurador repetir a mesma pergunta. A flacidez da resposta
potencializou a impressão de que o presidiário petista estava mesmo
indefeso.
“Eu vou dar a explicação. Primeiro do tríplex: o tríplex
não era, não é e não será (meu). A história vai mostrar o que aconteceu
nesse processo. Segundo, o sítio: Eu vou lá porque o dono do sítio me
autorizou a ir lá. Tá? Que bens pessoais que eu tinha no sítio? Cueca,
roupa de dormir, isso eu tenho em qualquer lugar que eu vou. E nenhum
empresário pode afirmar que o sítio é meu se ele não for meu.”
“Mas
eles afirmaram que fizeram obras para o senhor”, insistiu o procurador.
Lula perdeu a linha: “Ah, meu Deus do céu, sem eu pedir. Você não acha
muito engraçado alguém fazer uma obra que eu não pedi? E depois alguém
negociar uma delação sob a pressão de que é preciso citar o Lula. E
vocês colocam isso como se fosse uma verdade! …Eu repudio qualquer
tentativa de qualquer pessoa dizer que foi feito uma obra para mim
naquele sítio. Porque se o Fernando Bittar amanhã vender o sítio…”
Nesse
ponto, o procurador esclareceu que, mantido o fio condutor da defesa,
Lula não enxergaria senão pus no fim do túnel. Explicou que a condenação
independe de um pedido formal para a realização das obras bancadas com
verbas de má origem: “O senhor pode alegar que não pediu. Mas o crime de
corrupção tem a modalidade receber.”
O depoimento desta
quarta-feira foi o terceiro que Lula prestou à Justiça Federal em
Curitiba. No caso do tríplex, foi condenado em primeira e segunda
instância. Cumpre pena de 12 anos e um mês de cadeia. O processo sobre a
compra de um apartamento e de um terreno que seria usado para abrigar o
Instituto Lula aguarda uma sentença da juíza Gabriela Hardt. E o caso
do sítio entrou na fila na forma de uma condenação esperando para
acontecer.
Para desassossego de Lula, seu drama penal vai virando
parte da paisagem. A multidão que o prestigiou nos dois primeiros
depoimentos de Curitiba ficou em casa. A vigília nos arredores da
Superintendência da PF, onde está preso, minguou. Dessa vez, poucos
apoiadores faziam barulho nas ruas de Curitiba. Nas proximidades do
fórum, não houve bloqueio de ruas nem fechamento de lojas. O aparato de
segurança sofreu lipoaspiração.
Lula coleciona façanhas políticas
que poderiam tê-lo guindado à condição de estátua. Mas até os seus
apoiadores parecem recusar o papel de testemunhas de uma fase em que o
grande ídolo, auto-convertido em pardal de si mesmo, suja com
depoimentos desconexos a própria testa de bronze. No seu primeiro
encontro com a juíza substituta, Lula percebeu que seu futuro penal está
agora nas mãos de uma versão feminina de Sergio Moro. Logo, logo o PT
terá de incluir uma nova personagem no rol de ''perseguidores
políticos'' do grande líder.
– Em tempo: Leia
aqui notícia sobre nota divulgada pela defesa de Lula após o depoimento. (Por Josias de Souza)
Reproduzido por Blog Tv Web Sertão
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