– Eu vou ser considerado desertor. Estarei proibido de voltar a Cuba por
oito anos, amiga. O que eles vão fazer? Vão me matar? Quem garante que
se eu voltasse para lá eles não iam aplicar uma medida disciplinar ou
invalidar meu diploma? Todo dia acontece algo novo – desabafou.
Sánchez
vive com uma médica cubana, também desligada do Mais Médicos. Em junho
deste ano, ela teve que passar por uma cirurgia no Brasil e, durante a
recuperação do procedimento, foi avisada de que seria mandada de volta
para Cuba. Não voltou, apesar dos três filhos deixados na ilha com a
mãe. Hoje o casal, que se conheceu no Brasil, deposita todas as suas
esperanças em uma nova convocação para trabalhar no programa Mais
Médicos. Eles fazem planos de serem aprovados no Revalida, exame exigido
de médicos estrangeiros para trabalhar no Brasil, e construir a vida
juntos no país.
Como você foi avisado de que seria desligado do Mais Médicos?
Eu
recebi uma ligação da secretária municipal de Saúde daqui (Pirapetinga)
dizendo que eu tenho que viajar no dia 5 de dezembro. Então liguei para
o assessor da Opas responsável pela minha área. A comunicação entre nós
e a Opas é por meio desses assessores. São cubanos encarregados de
monitorar a nossa atividade no Brasil, olhando se estamos trabalhando,
se está tudo bem. Eu gosto do meu país, mas não volto pelo que está
acontecendo com a Opas. A Opas está sendo manipulada por esse pessoal
cubano. Ninguém dá informação nenhuma para nós. É uma vergonha. Eu falei
para ele que eu não tenho como ir embora agora. Tenho um veículo que
preciso vender para sair daqui, empréstimos que fiz e não tenho como
pagar de uma vez para ir embora. Mas eles não entendem. Ele disse que,
se eu não for embora, posso até perder a minha nacionalidade cubana e
ficar privado de voltar a Cuba por oito anos. Isso está no contrato.
Quando foi seu último dia de trabalho?
Ontem.
Outros médicos cubanos trabalhavam com você?
Não.
Eu sou o único médico cubano na cidade. Eu trabalhava sozinho no posto
de saúde. É uma cidade pequena e não tem nenhum médico brasileiro. Tinha
um, mas ele saiu meses atrás. Não era do Mais Médicos.
Se era o único médico, hoje chegou algum substituto para fazer o atendimento?
Pelo
que sei, hoje não teve atendimento em Pirapetinga. Eu atendia no posto
de segunda a quinta-feira, e, às quartas-feiras, fazia visita domiciliar
com os assistentes de saúde. A cidade faz divisa com o Rio de Janeiro e
nós atendíamos não só a população da cidade como de bairros da divisa
com o Rio.
Não tem medo de ficar no Brasil e você ou sua família sofrer represálias?
Eles
(representantes do governo cubano) já procuraram meus pais em Santiago
de Cuba, onde eu morava, para falar o que está acontecendo aqui no
Brasil. Desde que o Bolsonaro foi eleito, começou a briga e uma campanha
política para que nossos familiares falem com a gente para evitar que
fiquemos no Brasil. Meus familiares me mandaram um e-mail contando a
situação.
Não ficou com medo? Muitos médicos estão com medo de dar entrevistas.
Não.
Eu vou ser considerado desertor. Estarei proibido de voltar a Cuba por
oito anos, amiga. O que eles vão fazer? Vão me matar? Quem garante que
quando você chegar lá eles não vão te aplicar uma medida disciplinar ou
invalidar meu diploma? Todo dia acontece algo novo. Agora mesmo há muita
desinformação e conversa fiada. Não sei se é verdade, mas estão dizendo
que mandaram bloquear as contas de todos os médicos cubanos no Banco do
Brasil. Eu estou pensando em passar no banco para sacar o meu dinheiro,
o pouco que eu tenho guardado. Eles podem fazer qualquer coisa,
manipulam até a Opas e tudo. Mas se isso acontecer, é roubo, crime.
Quem você considera o responsável pela situação dos médicos cubanos? O governo brasileiro ou cubano?
O
governo cubano. Nosso presidente Jair Bolsonaro falou que o médico
cubano precisa fazer Revalida se quiser trabalhar no Brasil. Cuba sabe
disso e fez tudo para tirar os médicos daqui. Ela sabe que muito médico
vai ser aprovado no Revalida e vai ficar no Brasil. São médicos que Cuba
perde.
Você vive sozinho no Brasil?
Não. Sou casado e
minha mulher também era do Mais Médicos, mas ela foi desligada em junho
deste ano depois que passou por uma cirurgia ginecológica. A sacanagem
foi grande com ela. Ela trabalhava em Itambacuri, perto de Governador
Valadares, e mandaram ela voltar para Cuba por causa da doença enquanto
se recuperava da cirurgia. Hoje ela é considerada desertora em Cuba.
Eles disseram que ela não podia fazer a cirurgia no Brasil, mas ela não
tinha condição de viajar daquele jeito. O que eles queriam? Que ela
morresse aqui. Foi uma injustiça o que aconteceu com ela. Hoje ela está
ótima, pronta para trabalhar e esperando fazer a inscrição para o Mais
Médicos.
Ela sofreu alguma retaliação por ter ficado no Brasil?
Ela não pode voltar para Cuba.
Por que vocês querem ficar no Brasil?
Porque
é um bom país para trabalhar. Eu quero continuar trabalhando como
médico porque gosto da minha profissão. Meu contrato era de três anos. O
que faço com tudo que eu comprei para mobiliar minha casa? Fiz um
empréstimo, estou pagando. Não tenho dinheiro para quitar isso de uma
hora para outra e ir embora. Esse pessoal não pensou nisso? Tem muito
médico hoje dormindo no chão, vendendo a cama e a geladeira para ir
embora. É muita sacanagem.
Você veio para o Brasil pensando em ficar aqui?
Eu
vim para trabalhar três anos. Só que o contrato foi rasgado. Eu recebi
R$ 2.976 por mês e não R$ 4 mil como dizem. Esse foi o meu salário todo
esse tempo. O restante ninguém sabe para onde vai. O que um assessor da
Opas dizia quando a gente perguntava era que o 75% que ia para lá para
ajudar o governo cubano a melhorar a situação dos hospitais.
Você está decidido a ficar no Brasil?
Sim,
fico aqui nem que tenha que trabalhar recolhendo lixo ou varrendo rua.
Eu varro mesmo. Mas para meu país eu não volto não porque me sinto
enganado. Me disseram que eu ia ficar três anos, ganhar R$ 4 mil. Mas eu
estou aqui trabalhando e todo mundo pegando o meu dinheiro. Eu me sinto
uma vaca leiteira que a toda hora chega um pessoal e tira seu leite.
Isso é legal? Não, é sacanagem.
Vai tentar se inscrever no Mais Médicos?
Com
certeza. Nós cubanos somos formados em Cuba como médicos especialistas
de família e posso garantir que temos mais de três anos de experiência.
Só que ela só é reconhecida em Cuba em nenhum outro país. Vou tentar
fazer também o Revalida.
O que você vai fazer se não entrar no Mais Médico de novo?
Essa
é uma boa pergunta. Vou estudar para o Revalida. É a minha chance. Hoje
estamos sozinhos aqui. Somos só nós e vocês. A única coisa que a Opas
vai fazer por nós é mandar o bilhete da passagem.
Reproduzido por Blog Tv Web Sertão
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