Retorno à vila visitada por Lula em 2005 mostra paralisia da educação


Retorno à vila visitada por Lula em 2005 mostra paralisia da educação

Sempre que um helicóptero rompe os céus de Vila Canaã, distrito pobre de Caruaru, em pleno agreste pernambucano, a criançada se alvoroça. Bate vento, faz barulho e leva o pensamento longe, para cantos do planeta onde nunca pisaram. Em 11 de fevereiro de 2005, o roteiro trouxe algo de inusitado: a bordo da aeronave, que fascinou o grupo que jogava bola no campinho ao lado, estava Lula, então em seu primeiro mandato.

Não sabendo ainda de quem se tratava, mas entendendo ser figura ilustre, meninos e meninas de pés descalços e olhos vidrados se puseram atrás de uma cerca e ali entabularam conversa com o presidente, que perguntou: “Quem aí vai para a escola?”.

Todos disseram que iam, mas, naquele dia, a pelada pareceu mais atraente. Receberam da comitiva sanduíches de queijo e bolo de laranja protegidos por papel laminado de um brilho que alguns jamais apagariam da memória. Lula então despediu-se e embarcou em carro oficial, deixando em Taciana Simião, de 6 anos, a sensação de que, ela também, um dia teria a experiência de olhar o mundo lá de cima. “Vou voar bem alto”, pensou a garota, que aparece no meio da foto que eterniza o momento.

Taciana, a quem chamam de Nega, não alçou nenhum voo desde então, assim como as demais sete sorridentes crianças na fotografia, hoje adultos na faixa dos 20, 30 anos, todos com os pés fincados no ciclo da pobreza. Um atrás do outro, eles foram abandonando a sala de aula para trabalhar, a maioria na indústria têxtil, a engrenagem da economia local, onde permanecem.

Sua trajetória de imobilidade na pirâmide social é o retrato de um país que não conseguiu nestas quase duas décadas tornar a educação um projeto de Estado, que não mude de direção ao sabor dos ventos da política, nem tampouco se livrou de ideologias que só servem para turvar a visão. A meninada agora crescida de Caruaru é também um exemplo tristemente contundente de como as portas do bom ensino seguiram fechadas justamente a quem mais precisa dele para desatar o nó das necessidades básicas e subir na vida.


É verdade que, nesses anos, o acesso à escola avançou de forma relevante no Brasil, um processo desencadeado ao longo da década de 1990, na gestão Fernando Henrique Cardoso, e impulsionado por Lula, que esticou o ingresso à pré-escola e ao ensino médio. O que continua a emperrar de forma decisiva o progresso individual, e o crescimento do país como um todo, é a maré de notas vermelhas que a educação brasileira acumula a cada nova avaliação, ainda que se verifique uma bem-vinda melhora nas primeiras séries.

A mais abrangente aferição internacional do nível de aprendizado, feita pela OCDE (o clube dos países desenvolvidos), mostra uma perturbadora paralisia nas curvas desde a época em que a turma de Canaã foi clicada. Aos 15 anos, mais da metade dos brasileiros não sabe interpretar textos elementares nem resolver operações simples envolvendo números inteiros, o que situa o país no pelotão de trás nos rankings de leitura e matemática do Pisa, nos quais nações de renda inferior se saem melhor, como Peru, Colômbia e Costa Rica (veja o quadro abaixo).

“Enquanto vários deles caminharam rumo à excelência, atendendo às crescentes exigências do século XXI, o Brasil anda a passos lentos”, observa o físico Andreas Schleicher, que pilota as avaliações educacionais na OCDE, fazendo refletir sobre o futuro próximo: o que será que ele reserva aos filhos dessa turma de Caruaru?

Senador pelo PT em 2005, dois anos depois de ocupar o cargo de ministro da Educação de Lula, Cristovam Buarque, colunista de VEJA, bateu os olhos na imagem da garotada do agreste pernambucano no jornal e foi a campo conversar com seus pais. Percebeu que eles não enxergavam na escola um motor para a ascensão de suas vastas proles.

Preocupavam-se mais com a merenda — macarrão com sardinha, Nescau com bolacha — e com a manutenção do Bolsa Família, que cobra a frequência nas aulas. Enviou a Lula uma carta intitulada “Estas Crianças Têm Nomes — Como Dar-lhes um Futuro?” e anotou ali uma observação ao presidente: “Você não é o culpado disso, mas daqui a dez anos será”. Passada uma década, em 2015, Buarque regressou às mesmas ruas de terra batida, e encontrou Taciana, que fora mãe aos 15 anos, e os outros (quatro deles seus irmãos) fora do colégio e vivendo de costurar calças jeans distribuídas do polo de Caruaru para todo o Brasil.

Juntavam as letras, mas não extraíam sentido das palavras. “Não tínhamos incentivo para estudar. No meio da pobreza, é duro encarar os livros como um caminho”, reconhece o auxiliar de cozinha Janailson Simião, 31 anos, irmão de Taciana, que achou forças mais tarde para concluir o ensino fundamental e conquistar o diploma, muito bem emoldurado e exibido na parede de casa.

Para finalizar sua pesquisa, que já resultou no livro Retrato de uma Década Perdida, Buarque acaba de retornar à Vila Canaã, desta vez acompanhado de VEJA, para averiguar como o grupo chegou à fase adulta. Os oito que lá atrás, em 2005, traziam no semblante um misto de admiração e esperança falaram à reportagem.

Cinco deles nunca haviam saído da vizinhança, um estava de volta após uma malsucedida tentativa de se estabelecer em Santo André (SP), outro se preparava para trabalhar com motosserras em Minas Gerais e um último arranjou emprego como garçom no belo cartão-postal praiano de Porto de Galinhas. Ele é Rubison David Leite, o Rubinho, 25 anos, que deixou a escola aos 12, nunca leu um livro, mas relata ter assimilado conhecimento na aridez do cotidiano.

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