Os canais que saem do Velho Chico somam, juntos, 477 quilômetros. O
objetivo, segundo o Ministério da Integração, é levar água a cerca de 12
milhões de pessoas em
Pernambuco,
na Paraíba, no Ceará e Rio Grande do Norte. A previsão é atingir mais
de 390 municípios no sertão pernambucano, além de 325 comunidades que
residem a uma distância de cinco quilômetros da margem dos canais.
Esse primeiro teste ocorreu na estação 1 do Eixo Leste, em
Floresta
(PE). A água da Barragem de Itaparica é bombeada até a Barragem de
Areias, a primeira das 27 previstas na região. Apesar disso, a população
do entorno da obra no sertão pernambucano ainda não tem acesso à água
que corre pelo canal. Isso deve ocorrer após a conclusão dos testes,
previstos para ocorrer até o fim do ano.
Ao todo, são cerca de 11 mil funcionários que trabalham no projeto de transposição do São Francisco atualmente. O
G1 percorreu 2.500 quilômetros, pelas cidades de Sertânia,
Custódia, Floresta,
Salgueiro e Cabrobó, em Pernambuco;
Monteiro e
São José de Piranhas, na Paraíba; além de
Jati,
Mauriti e Brejo Santo, no Ceará.
Em 2012, as obras foram praticamente paralisadas devido a problemas com
as construtoras e desentendimentos sobre valores de contratos. Questões
como a perfuração de solos com constituição mais dura do que o previsto
afetaram o andamento das obras e o orçamento. Novas exigências do
Ibama representaram quase R$ 1 bilhão a mais, valor não previsto
inicialmente.
O orçamento passou de R$ 4,8 bilhões para R$ 8,2 bilhões e agora,
segundo o Ministério da Integração Nacional, a transposição só deve ser
finalizada em dezembro de 2015. A conclusão está próxima de 70% do
total, segundo a pasta.
Quando ocorreu a paralisação das obras, os sertanejos chegaram a temer
que a Transposição não fosse concluída. Com o atual ritmo, pessoas como o
comerciante Mauro Barbosa esperam que secas extensas não sacrifiquem
tanto a população.
"Gastar o que se gasta com carro-pipa... É melhor uma obra dessas
mesmo. Tem muita gente precisando. Tendo água, tem comida", acredita
Barbosa, morador de Monteiro.
Alguns trechos da Transposição do São Francisco contam com obras 24h por dia (Foto: Katherine Coutinho / G1)
O túnel de Monteiro, que fica entre a cidade na Paraíba e
Sertânia
(PE), é um dos que segue em ritmo intenso de obra. Com 3 quilômetros de
extensão, a rocha está sendo perfurada em um ritmo de dois a quatro
metros por dia, de acordo com o tipo de material encontrado. Próximo, em
Sertânia, a Barragem de Barro Branco ergue seu vertedouro e vai
acertando o terreno, já desmatado.
O São Francisco terá água para todos?
Apesar de o Ministério da Integração afirmar que a Transposição não
afeta o rio em si, moradores do entorno da obra seguem preocupados. A
gestora de uma escola pública municipal em Floresta (PE), Rosângela de
Souza, teme pelo futuro do curso d'água, especialmente devido à seca
prolongada
"A gente vê a situação do Rio São Francisco ir se agravando, fica muito
preocupado. Como ele vai aguentar dar água para tanta gente se está
ficando seco aqui? Se estivesse chovendo, tudo bem", avalia.
Túnel de Monteiro, cidade na Paraíba (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Preocupação semelhante tem a auxiliar de cozinha da escola, Marizete
Isidoro. Moradora há quase 30 anos da Agrovila 6, em Floresta, ela conta
que o problema de água da comunidade foi resolvido com poços furados
pelo Exército. "Fazer tanto poço assim pode não ser bom. Se não chover,
como vai ter água no lençol freático? Vai ficar todo mundo sem água do
mesmo jeito. O rio São Francisco só está de pé por causa dos afluentes,
mas a seca está grande, a gente se preocupa", conta.
O engenheiro agrônomo João Suassuna é especialista em convivência com o
Semiárido e há 20 anos estuda o rio como pesquisador da Fundação
Joaquim Nabuco. Para ele, a população tem razão em ficar preocupada com a
Transposição. "O São Francisco não vai ter volume para atender tudo
isso que estão querendo fazer com ele. Esse é o caminho mais curto para
terminar de exaurir o rio", opina.
Suassuna explica que o rio é de múltiplos usos. "Cerca de 95% da
energia no Nordeste é proveniente dele. Existe uma área irrigável
importante, de 1 milhão de hectares, na beira do rio, dos quais 340 mil
hectares já estão irrigados e levam um volume importante das águas. Já
está havendo um conflito enorme entre gerar energia e irrigar",
argumenta.
Marizete Isidoro diz que se pergunta se o São Francisco terá água disponível (Foto: Katherine Coutinho/G1)
"A nascente do Rio São Francisco [em Minas Gerais] chegou a secar. Em
regiões como Pirapora, São Francisco e Januária, o rio está praticamente
seco. Já há uma limitação de volumes séria e você querer tirar mais
volume para abastecer 12 milhões de pessoas e ainda irrigar 300 mil
hectares? Isso é fisicamente impossível", sentencia.
Para ele, cabe aos técnicos fazer com que essa água tenha um bom uso no
futuro. "Uma equipe de hidrólogos tem que cair em campo para avaliar as
reais necessidades hídricas. O que tem de informação sobre volumes
circulando hoje é chute. Eles precisam determinar um número real a
partir do qual quem tiver gerenciando essa 'torneira' do São Francisco
vai ter que obedecer", sugere. Suassuna também defende que abastecimento
de água passe a ser considerado assunto de segurança nacional. "Tem que
ser entregue à Polícia Federal [esse controle], não pode ter
interferência política nesse tipo de decisão", disse.
Canal de acesso leva água da barragem de Itaparica até a Estação de Bombeamento 1 do Eixo Leste (Foto: Katherine Coutinho / G1)
Mato em lugar das obras
Apesar de estar aparentemente em curso, em Sertânia, no sertão de Pernambuco, o
G1
encontrou um ponto da obra onde não há sinal de trabalhadores. Apenas
um vigia toma conta da entrada do canteiro de obras da estação de
bombeamento 6 (EBV6), uma das seis previstas para o Eixo Leste, que
começa em Floresta, na mesma região, e vai até Monteiro, na Paraíba, de
onde as águas seguem pela força da gravidade pelos rios e não mais por
canais.
O mato toma conta do espaço e é possível ver caixas com inscrições do
Ministério da Integração. Há peças de um pórtico rolante, equipamento e
objetos pesados, como as bombas da estação. Algumas lonas rasgadas
deixam os equipamentos expostos. São ao menos dois anos sem trabalho no
local.
Em Mauriti (CE), é possível encontrar trechos do canal em diferentes fases da construção (Foto: Katherine Coutinho / G1)
A explicação dada pelo Ministério da Integração é que as obras seguem
em ritmo mais acelerado onde estão mais próximas da água. O Eixo Norte,
que vai de
Cabrobó,
no Sertão de Pernambuco, até Cajazeiras, no Ceará, conta com três
estações de bombeamento ao longo do percurso. Juntos, os dois eixos da
Transposição vão contar com 27 reservatórios construídos, além de 23
açudes que devem ser reformados para também integrar o sistema hídrico.
Ainda há quatro túneis.
Para cumprir os prazos, alguns trechos, especialmente no Eixo Norte,
contam com turnos de trabalho inclusive durante a noite, como é o caso
da Barragem de Porcos, em
Brejo Santo.
Os serviços de concretagem são geralmente deixados para a noite, para
evitar problemas e rachaduras, uma vez que o sol intenso altera o tempo
de cura do concreto.
Katherine Coutinho Do G1 PE