Segundo empresas de recrutamento, a recolocação tende a ser mais difícil
para quem tem até o ensino fundamental, menos de 20 e mais de 45 anos e
está há mais de um ano fora do mercado. Entre os 13,4 milhões de
desempregados no primeiro trimestre deste ano, segundo a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), 635 mil são considerados de
difícil recolocação pelos recrutadores, nas contas do economista Cosmo
Donato, da LCA. É o dobro do registrado no mesmo período de 2014, antes
da recessão.
O abismo entre a qualidade da mão de obra desempregada e
o que as empresas procuram não deve se resolver nem mesmo com a
retomada da economia, prevê o economista-chefe da Confederação Nacional
do Comércio (CNC), Fabio Bentes. Ele estima que dois, em cada dez
desocupados, devem ficar fora do mercado na próxima década por falta de
qualificação. Isso significa que a massa de trabalhadores sem chances de
se recolocar pode saltar dos atuais 635 mil para 1,4 milhão, em dez
anos.
De acordo com as estimativas de Bentes, se a economia crescer
em média 2,5% ao ano até 2030, a procura por trabalhadores não deve ser
suficiente para recuperar os 8,8 milhões de empregos destruídos pela
maior recessão da história. As projeções foram feitas, a pedido do
Estado, levando em conta dados da Pnad e projeções do Boletim Focus do
Banco Central.
“Não vai ter (crescimento do) PIB suficiente para
incorporar essa massa de desempregados com baixa qualificação”, afirma.
Em 2014, antes da recessão, o mercado de trabalho estava tão aquecido
que até profissionais com pouca qualificação eram facilmente absorvidos.
Na crise, o quadro se inverteu.
Para Hélio Zylberstajn, professor
sênior da FEA/USP e coordenador do projeto Salariômetro da Fipe, os
trabalhadores sem preparo podem ter destino diferente, dependendo de
qual área leve adiante a retomada da economia. “Essa proporção de dois
em cada dez poderá ser menor se o modelo for puxado pelo investimento em
infraestrutura, que incorpora trabalhadores na construção civil de
baixa qualificação”, diz.
Treinamento
A conhecida baixa
produtividade do trabalhador brasileiro só vai ser resolvida, segundo
Bentes, da CNC, com treinamento, o que depende de investimentos. No
setor público, diante da pressão por cortes e contingenciamento de
gastos, será difícil que o orçamento cresça nos próximos anos na
velocidade necessária para suprir essa necessidade de qualificação dos
trabalhadores. Por iniciativa própria, só uma parcela muito pequena
deles consegue bancar os estudos. “A maioria vende o almoço para comprar
o jantar”, afirma.
Segundo o economista, a iniciativa privada é a
ponte principal para melhorar a produtividade. Ele adverte, no entanto,
que existe um risco de o trabalhador desqualificado ser substituído por
uma máquina. “Quando a economia voltar a crescer e o investimento
retornar, o empresário vai se perguntar se faz sentido contratar, por
exemplo, um caixa de supermercado com baixa produtividade ou se é mais
barato comprar uma caixa registradora automática que faça esse serviço a
um custo menor e sem encargos trabalhistas”, afirma.
Tecnologia
deixa empregador mais seletivo na hora de contratar. Foi-se o tempo que
máquina registradora do supermercado fazia só as quatro operações
matemáticas. Hoje, na prática, ela é um computador que tem conexão
direta com cerca de 40 mil itens do estoque e é capaz de determinar, ao
fim do dia, quanto foi vendido de cada produto. “O operador de caixa tem
de ter 2.º grau e conhecimentos básicos de informática. A exigência é
grande para uma remuneração na faixa de R$ 1,1 mil”, diz o presidente do
Sindicato dos Comerciários e da União Geral dos Trabalhadores, Ricardo
Patah.
De fato, com a grande oferta de mão de obra e a evolução
tecnológica, as exigências das empresas na hora de contratar têm
aumentado. Nos últimos 12 meses até março, 12% dos contratados para a
função de vendedor de loja estavam cursando faculdade ou tinha já
concluído o curso superior e 76% tinham ensino médio completo, aponta
levantamento feito com base nas informações do Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados pelo professor sênior da FEA-USP Hélio
Zylberstajn. O quadro se repete para balconista de farmácia, outra
ocupação que, teoricamente, não exigiria tanta qualificação, já que o
salário médio é de R$ 1,3 mil.
Nesse caso, 83,2% dos admitidos nos
últimos 12 meses até março têm ensino médio completo e quase 10% estão
cursando ou concluíram a universidade.
Deslocamento
“Quem
tem pouca escolaridade neste momento está tendo muita dificuldade de
encontrar emprego porque parte das vagas que poderia ocupar está sendo
preenchida por pessoas que têm formação maior do que a necessária”,
afirma Zylberstajn. Ele diz que esse movimento de deslocamento da mão de
obra ocorre em períodos de recessão prolongada.
Para Lucila Sciotti,
superintendente de operações do Serviço Nacional do Comércio (Senac)
São Paulo, é preciso haver esforço maior, por parte do poder público, de
aproximar a capacitação que é oferecida aos estudantes das necessidades
das empresas. “Muitas vezes, a formação dos profissionais é
deficitária. Alguns alunos chegam até nós sem saber fazer contas simples
ou têm dificuldade em interpretar textos”, diz. “É preciso direcionar
as políticas públicas para resolver esses gargalos.”
Diante da falta
de qualificação barrando as contrações, Patah diz que no último Mutirão
do Emprego promovido pelo sindicato foram ofertados também cursos
gratuitos de qualificação em parceria com Senai, Senac e Centro Paula
Souza. Ao todo foram cerca de 1, 3 mil vagas. Das mil vagas oferecidas
pelo Centro Paula Souza, 450 pessoas se matricularam nos cursos de
estoquista, assistente administrativo, confeiteiro, cuidador de idosos,
maquiagem, recepção e atendimento e vitrinista. “Pela primeira vez
fizemos mutirão com capacitação: mais do que aumento salarial, o
importante hoje é qualificar o trabalhador”, afirma.
No próximo
evento programado para julho, Patah diz que devem ser oferecidas, no
mínimo, 10 mil vagas. A intenção é atender também aos trabalhadores em
situação vulnerável, com vagas para ocupações que exigem menos
qualificação, como na área de limpeza, por exemplo.
Frustração
Após
horas de espera para deixar um currículo no último mutirão do emprego,
no qual uma fila interminável serpenteava o Vale do Anhangabaú, no
centro de São Paulo, os candidatos a uma vaga voltaram para casa
frustrados. Eles não sabem qual foi o real motivo para terem sido
rejeitados.
“É o currículo ou alguma coisa que está acontecendo com a
minha vida. Até na igreja já fui”, diz Renata Cristina Gama, 35 anos e
mãe de dois filhos. Desempregada há quatro anos, ela não terminou a
faculdade de pedagogia e o seu último emprego foi numa escola. No
mutirão, deixou currículos em cinco grandes empresas que estavam no
evento. Chegou a participar de minientrevistas, mas o processo seletivo
não avançou.
No momento, faz um curso gratuito de auxiliar administrativo, mas não acha que vai conseguir alguma coisa por conta disso.
Já
a ascensorista Rosemeire Soares Ayres, de 41 anos, sem emprego há mais
de um ano, acredita que quanto mais qualificação, maior a chance de
recolocação. Com o segundo grau completo, hoje faz curso de atendimento
ao público. Mas coleciona pelo menos sete cursos rápidos. Deixou vários
currículos no mutirão e não foi chamada. “Acho que é por causa dessa
crise mesmo. Abre uma vaga e vêm mil pessoas para concorrer.” As
informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Reproduzido por Blog Tv Web Sertão
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