Com casos de depressão, ansiedade, insônia e até surdez, esses moradores tentam conscientizar agricultores de outras regiões a não permitirem parques eólicos tão próximos de suas casas.
A BBC Brasil publicou nesta segunda-feira, 14, reportagem na qual os moradores de Paulo Ferro e Sobradinho, onde mais de 220 torres foram instaladas a partir de 2014, relatam os problemas de saúde causados principalmente pelo constante ruídos dos aerogeradores e a necessidade de tomar medicamentos, com antidepressivos, ansiolíticos e remédios para dormir.
Além disso, os agricultores das duas localidades de Caetés também se incomodam com a sombra gerada pelas torres, que os assusta; com a possibilidade de que quedas das estruturas que têm cerca de 120 metros — um incidente com uma hélice de 50 metros já foi registrado em Sobradinho no ano passado; e com possíveis choques elétricos.
A moradora Roselma Oliveira, 35 anos, cuja casa quase foi atingida, disse que sua família ficou traumatizada. Ela é uma das principais lideranças da comunidade que viajam às cidades vizinhas para informar aos moradores e agricultores sobre os problemas causados pelas torres de energia eólica.
Segundo a BBC, esse movimento de resistência às eólicas deu resultado em pelo menos um local: moradores de Borborema, na Paraíba, desistiram de ceder suas terras para a instalação de parques na cidade.
No caso de Caetés, os moradores cederam suas terras com contratos com cláusulas de confidencialidade às empresas que operam os geradores. Entretanto, a BBC, que conseguiu acesso a dois contratos, informou que as pessoas são remuneradas com um porcentual da produção de cada torre, que chega a cerca de R$ 2 mil mensais. Além disso, os contratos são por longos períodos. Um deles tem prazo de 49 anos. Com isso, muitos agricultores cederam suas terras e compraram casas na cidade.
Empresas dizem que seguem a lei no agreste de Pernambuco
A Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), que representa as empresas do setor, reconhece os problemas de Caetés, e diz que os dois parques não são um exemplo a ser seguido, porque foram construídos sob uma regulação antiga.
Hoje, a lei exige que as torres estejam a pelo menos 400 metros de residências. Na França, a distância é de 700 metros. Em Caetés, a distância é de apenas 150 metros.
Já as empresas responsáveis pelos parques eólicos de Pau Ferro e Sobradinho, a Echoenergia e AES Brasil, afirmam que estão dentro das normas e que estão em contato com os moradores e vão tomar medidas para reduzir os impactos para a população local.
UPE vai estudar impacto das torres na saúde dos agricultores de Pernambuco
Em razão das queixas dos moradores, a Universidade de Pernambuco (UPE), que tem um campus em Garanhuns (município ao qual Caetés pertencia até 1963), vai fazer um estudo com a comunidade de agricultores da região.
Coordenado pela professora de Saúde Pública Wanessa Gomes, o estudo vai durar três anos e é financiado pela UPE e pela Fiocruz. Wanessa e seus alunos da pós-graduação vão tentar medir o impacto das torres na saúde da comunidade.
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“Há relatos fortes de que as pessoas não estão mais conseguindo ouvir como antes. Hoje mesmo, uma senhora contou que não dialoga mais com o filho dentro de casa, porque não consegue mais escutá-lo. E não é uma mulher com idade avançada, ela tem 52 anos”, disse a professora à BBC.
Para João do Valle, ativista da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o modelo de Caetés é um “latifúndio eólico, no qual as empresas não compram a terra, mas tomam posse dela por décadas”. “A gente não é contra a energia eólica. E, sim, contra esse padrão trazido ao Nordeste, porque ele se baseia na expulsão de agricultores, em violência contra a natureza, no adoecimento, na divisão de famílias e comunidades.”
Atualmente, o Brasil tem 890 parques eólicos, responsáveis por 13% de toda energia elétrica gerada. Até o fim do ano, a expectativa do setor é chegar a mil usinas. O governo Lula anunciou para os próximos anos um investimento de R$ 50 bilhões na chamada transição energética.