Atrás da ambulância seguia nos acompanhando o carro de Manoel Olímpio, sogro de meu irmão Sales, onde este, minha irmã Shirley e Maciel Olímpio acompanhavam o socorro onde sempre que havia área eu me comunicava com eles informando a situação e o estado de nosso pai.
Durante a viagem e nos catabis da estrada até a cidade de Placas, ele gemia demais e clamava muito por Deus! Já estando perto da cidade de Pesqueira ele abriu os olhos e me viu e começou a fazer muita careta com as dores que vinha sentindo e no momento tentava me dizer alguma coisa. Enquanto abria a boca para tentar falar, porém já não conseguindo mais, foi que pude ver que na queda ele quebrou os dentes da frente da boca e sua gengiva estava muito machucada.
Eu tentei o acalmar dizendo que aguentasse, que logo, logo agente chegaria no Recife. Porém a dor que ele sentia devia ser terrível, mesmo com toda a medicação, a bala estava alojada na cervical dele e coluna é uma das partes mais doloridas do corpo e com o balançar do carro, pela sua angustia tenho certeza que seria insuportável dele aguentar aquele sofrimento por muito mais tempo.
Por volta das 22 horas, ele se acalma um pouco e eu me tranquilizo enganosamente achando que a dor tinha sido aliviada, foi quando o médico Dr. Esteves deu um pulo abrupto da cadeira onde estava, e gritando veementemente com as duas enfermeiras, me empurraram para um canto da ambulância e começaram o corre-corre, aplica adrenalina, aplica isso, aplica aquilo, massagem cardíaca... No monitor da ambulância, que era uma UTI móvel, num breve momento aparecia os batimentos, depois sumia e devido a proximidade com a cidade de pesqueira, o médico em desespero gritava "Vai ligeiro motorista, vai ligeiro p...” Ao entramos em Pesqueira, houve outro problema, a dificuldade de se encontrar o hospital! Entravamos numa rua e noutra e nada de localizar o hospital. Ao conseguirmos chegar, rapidamente os enfermeiros já nos foram recebendo e partindo para o socorro naquele corre corre habitual, porém quando o colocaram na mesa e ao lhe examinarem, ficaram estáticos olhando um para o outro. Foi nessa hora queridos amigos, que caiu a fixa e procurei terra nos pés e não encontrei...
Após o atendimento, o corpo foi envolto em um lençol branco e colocado na pedra, onde permaneceu naquele triste, mal acabado e frio ambiente até o início da manhã, onde eu, Maciel, um funcionário do hospital e o motorista da funerária Dimensão o colocamos num caixão de fibra e logo após no carro funerário, onde o acompanhamos até a cidade de Caruaru para a realização da perícia por parte do IML.
Ter passado o resto da noite ao lado de onde o corpo de meu pai estava enrolado naquele pano de hospital e naquela pedra fria foi muito terrível, e pensei que a partir de então as coisas iriam transcorrer de uma forma menos sofrível e que logo estaríamos de volta para casa. Eu não queria de forma nenhuma estar escrevendo esta matéria, mas já que comecei, então vamos lá...
Senti que devo desabafar e informar aos meus leitores o que acontece quando alguém morre de forma não natural. O desejo de escrever estas linhas vem desde o ocorrido porque sinto-me no dever de como membro desta forma de imprensa moderna, verdadeira e atuante, não me calar mediante o que vi que fizeram com os restos mortais de meu pai, e que certamente vão continuar fazendo com outras vítimas que por força do destino acabam indo parar naquele lugar miserável! Então resolvo expor aqui toda a minha repulsa e indignação pela forma com que o IML da cidade de Caruaru trata os nossos entes queridos que de forma trágica tiveram as suas vidas ceifadas!
Para começar, veja o total desrespeito por parte de nossos governantes em relação aquele ambiente miserável, lamacento e desprovido de qualquer acomodação digna de receber pessoas que se encontram completamente fragilizadas.
Desprovido de qualquer tratamento humanizado, porque se a saúde já não anda bem, imagine como são tratados os mortos? E tendo ainda que enfrentar as burocracias que pareciam não ter mais fim, eu, Maciel e o motorista da funerária, tivemos ainda que procurar uma delegacia de policia afim de conseguir uma pulseira para colocar no tornozelo do corpo de meu pai, senão o IML não iria receber o seu corpo!
O amigo e Professor Paulo Miranda (Paulinho), prestou sua
solidariedade naquele momento tão difícil
Voltamos para o IML e aguardamos na fila a perícia ser realizada. Sei da importância desse tipo de trabalho para as investigações policiais, porém, nunca imaginei que o “serviço” seria realizado da forma como foi feito! Completa falta de respeito com os restos mortais daqueles que numa fatalidade acabam caindo em suas mãos! Eu entreguei o corpo de meu pai de um jeito, e o recebi de uma forma completamente diferente! Se soubesse que seria assim, jamais teria aceitado que o seu corpo fosse enviado para aquele instituto! Para encerrar o assunto e evitar maiores detalhes, tive que levar o corpo de meu pai para um local em Caruaru e pagar para reorganizar o corpo, recosturado e fazer os enchimentos de sua face. Foi feito o que se devia, de uma forma constrangedora e sem nenhuma delicadeza ou respeito, porém foi feito o serviço e a aparência de meu pai ficou agradável. A preocupação que mais me vinha na mente, era a pouca idade dos seus netinhos e sei que esta seria a última imagem que eles teriam do avô e isto me preocupava bastante!
Encerrando esta matéria triste e grotesca, peço desculpa a todos os leitores que a leram. Não sei porque a escrevi, mas Deus deve saber o motivo pela qual ela foi feita...