
Duas máximas precisam ser entendidas pelo governo Lula nas relações que pretende ter — porque precisará ter — com a volta triunfal de Donald Trump à Casa Branca. A primeira é que nações não têm amigos, nações têm interesses. É uma lógica da diplomacia internacional que não cede a apelos do vitimismo woke ou do progressismo inepto. Ninguém que leva a sério o mundo terá tempo para isso a partir de agora.
E a segunda é que o presidente americano é eleito para defender os interesses dos americanos. Por mais elementar que isso seja, acredite, no Brasil de Lula, o óbvio precisa ser dito, porque o lulopetismo tergiversa em defender o nosso maior ativo nacional, o agronegócio brasileiro técnico, moderno, eficiente e que alimenta 1 bilhão de pessoas no mundo.

Comparativamente, Lula vive sua decadência política interna e externa. No mundo, não tem mais nenhum palco relevante. Dentro do país, pesquisas de opinião que mostram a popularidade do presidente ladeira abaixo só confirmam os fatos. Lula 3 é um presidente de ar-condicionado, de cercadinhos protegidos e rodeados por áulicos que lhe afagam com inabalável profissão de fé, dentro e fora do Palácio do Planalto, porque bem remunerados. Desconectado da realidade, com ideias do século passado, seu governo é politicamente fraco e uma tragédia fiscal. Em condições normais de temperatura e pressão, estaria sob o risco de um impeachment. Sustentado politicamente apenas pela absurda parceria com o STF e, ocasionalmente, por acordões com enormes cifras de emendas parlamentares, mantém-se no poder. Incapaz de fazer uma gestão austera e competente, o que gera insegurança jurídica, afasta investimentos e pressiona a inflação. Os números do desemprego teoricamente baixos, que lhe dariam algum fôlego de imagem, são questionáveis, seja pela exclusão de beneficiados de programas sociais — que recebem subvenção estatal, não renda advinda de trabalho —, seja pelas recentes manifestações de técnicos do IBGE que têm se oposto publicamente aos métodos de Marcio Pochmann, o homem do presidente na presidência do principal instituto nacional de estatísticas, as mesmas em que o mundo precisará confiar.

Uma potência mundial se faz pela preponderância em pelo menos cinco áreas: diplomacia, ciência e educação, poder militar, economia e, num mundo que cresce, segurança alimentar. Em cada uma dessas áreas, um país precisa ser a solução do planeta ou uma força inquestionável de dissuasão. Os Estados Unidos são a única nação no mundo com todos esses requisitos. Trump sabe disso e vai usar cada um desses superpoderes, seja na intermediação diplomática ou militar de um conflito, na oferta de ajuda humanitária com poder financeiro e logística de rápida atuação, seja para liderar a humanidade na vanguarda do conhecimento. Acabou de anunciar uma parceria com OpenAI, Oracle e Soft Bank de US$ 500 bilhões para o desenvolvimento da inteligência artificial e, no discurso de posse, revelou planos de colocar a bandeira americana em Marte. E tem no seu primeiro escalão ninguém menos que Elon Musk, dono da Starlink, a maior rede de satélites privados de comunicação, de foguetes que dão marcha à ré e defensor da liberdade de expressão no X, a mais importante plataforma de debate político internacional. Ele mesmo, o que foi xingado por Janja.

Daí que, antes de o Brasil se preocupar com o que poderá vir da Casa Branca, são os problemas domésticos que deveriam preocupar o governo federal. O Brasil precisa ser bom primeiramente para os brasileiros. Não tem sido. Divido em dois momentos. É quase previsível que eventuais sanções ao país sejam aplicadas diante da degeneração da democracia e das liberdades individuais sob o regime de Lula. A prisão de opositores políticos e a perseguição de empresas americanas pelo STF — o X e a Starlink, por exemplo —, afrontando as leis nacionais e a própria Constituição brasileira, são explícitas e chegam a nos nivelar à Venezuela. Por reciprocidade, o que impediria a apreensão de um navio da Petrobras ou o congelamento de uma conta financeira do Brasil em algum banco do mundo? Transações comerciais de pagamento são feitas pelo sistema Swift. De fato, são os norte-americanos que mandam no Swift. Num segundo estágio, a eventual aplicação de tarifas comerciais sobre nossos produtos de exportação aos EUA é algo de relativa preocupação, porque tarifas são negociáveis e passageiras. A excelência do que produzimos e a posição estratégica do Brasil no cenário internacional, sobretudo para reduzir a influência chinesa no continente sul-americano, são trunfos made in Brazil e, de certa forma, mitigam os riscos.
O drama nacional está muito mais exposto a perder competitividade nas cadeias globais de investimento. Enquanto a política de Trump será de desburocratização, redução de impostos e incentivo ao empreendedorismo, visando justamente a atrair empresas que antes tinham migrado para a China na revoada de volta ao Ocidente que já está acontecendo, o Brasil acaba de anunciar uma reforma tributária confusa que vai conviver com o modelo anterior por anos, e ainda tem uma carga tributária em relação ao PIB de 33%. Sob a nova reforma, estima-se que teremos o maior IVA do mundo, de 28%. Na Índia, a carga de impostos sobre o setor produtivo é de 19%. No México, de 18%. Ambos são emergentes e nossos reais competidores em atrair capital privado. Não que o novo governo Trump não deva ser considerado, mas, na equação brasileira, o governo Lula que aumenta gastos e impostos é hoje o maior dos nossos problemas.
No final de cada um dos dias dos próximos quatro anos, o presidente dos Estados Unidos estará apenas defendendo os interesses dos americanos. Fará o mesmo o presidente brasileiro em nome do país que deveria governar e defender? Dois anos depois de piorar as estatísticas brasileiras, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se viu obrigado a lançar um pacote de 25 medidas. Parte considerável é óbvia, de aumento de taxas ou de nenhum efeito.
Das cinco premissas que definem uma potência, a forma de Lula 3 agir piora o Brasil em quatro: na diplomacia que foi desfigurada; na educação e na ciência, prejudicadas pelo progressismo woke da atrasada esquerda brasileira (inclusive a universitária); na economia, capenga no básico da responsabilidade fiscal, da competência administrativa e da geração de ambiente favorável ao investimento; e ainda faltam recursos para as Forças Armadas, vide os atrasos na entrega dos caças Gripen, na modernização da Marinha e até na compra de obuseiros para o Exército.
O Brasil é forte mesmo justamente onde o governo Lula critica, desrespeita o direito à propriedade, faz campanha contra e onde a sociedade e os outros governos, desde os militares, se detiveram como um projeto de nação: a segurança na oferta de alimentos aos brasileiros e ao mundo por uma agropecuária competente, eficiente e ambientalmente correta, que entrega resultados — e comida ao planeta —, mesmo sob o mais severo e rígido código florestal do mundo. Adicione-se também ao combo nacional a excelência da Embraer e a engenharia da Petrobras, para citar apenas algumas empresas de referência internacional, além de nossa capacidade de extrair recursos naturais e a potência energética de economia verde que somos. De certa forma, tornamo-nos importantes e imprescindíveis ao mundo, mas isso não basta para nos proteger de um esperado protecionismo por parte dos Estados Unidos.

Mesmo sendo uma potência na produção de grãos e de proteína animal, quanto usamos isso como ferramenta de negociação com os chineses, por exemplo. Pressionada pela guerra comercial com os Estados Unidos no primeiro mandato de Donald Trump, a China acabou aceitando comprar mais soja dos americanos para manter as exportações de suas fábricas ao mercado americano. Cachorros grandes latem e se entendem. A ameaça de novas tarifas contra produtos industrializados chineses nesta nova gestão pode gerar perdas para os exportadores de soja brasileiros. É aí que entra uma diplomacia forte. Teremos?
Outro mercado, o de aço, também pode afetar o Brasil. A gigante siderúrgica brasileira Gerdau, que também atua nos EUA, tem reclamado que o sistema de cotas não foi capaz de impedir a invasão do aço chinês no país. Ocorre que a China também exporta para os EUA. Se a Casa Branca impuser novas alíquotas que encareçam as importações do aço chinês para o mercado doméstico americano, o temor é que o Brasil seja o destino do excedente do país asiático. Como defender os interesses brasileiros de cabeça baixa por escolhas ideológicas do atual governo?
Não entraremos em guerra militar com a China ou com os Estados Unidos. Em que pese a lamentável incapacidade brasileira de enxergar a Defesa Nacional como estratégica, será na diplomacia comercial que se jogará o jogo. Para isso, precisamos parar de exportar custos e problemas internos. Criar competências de Estado e comerciais. E jamais deixar a ideologia falar mais alto que os interesses nacionais. Afinal, nações não têm amigos.
Adalberto Piotto / Revista Oeste