Policiais paulistas estão sendo assassinados por quantias ínfimas. Meros
R$ 600 ou R$ 850, devidos por alguma quadrilha ao Primeiro Comando da
Capital (PCC), a maior facção criminal dos presídios brasileiros. Isso
não é teoria, mas realidade, comprovada em investigações.
A possibilidade de que dívidas na compra de drogas ou armas sejam
anistiadas pela facção, mediante o assassinato de policiais, foi
flagrada por promotores de Justiça do Grupo Atuação Especial de Combate
ao Crime Organizado (Gaeco).
Em telefonemas desde uma penitenciária do oeste daquele Estado,
grampeado pelo Ministério Público, bandidos lembram a quadrilheiros a
necessidade de pagar a mensalidade do Partido do Crime (como é chamado o
PCC). Uma das formas, para os que estão na rua, é matar policiais.
É por isso que drogados em dívida podem estar por trás da onda de
assassinatos que já ceifou a vida de 90 PMs, três agentes penitenciários
e dois policiais civis este ano. Grande parte das mortes é encomenda do
PCC, apontam investigações.
Um dos que ordenaram a morte de seis policiais militares é Roberto
Soriano, o Betinho Tiriça, que passou a outros presidiários bilhetes
encomendando o assassinato de integrantes das Rondas Ostensivas Tobias
de Aguiar (Rota), a tropa de elite da PM paulista.
Tiriça, que está trancafiado em cela isolada em Presidente Bernardes, em
presídio a mais de 600 quilômetros da capital paulista, quer vingança
por duas matanças cometidas por policiais da Rota este ano. A primeira,
em agosto, quando seis assaltantes foram metralhados ao tentarem
explodir caixas-eletrônicos em um supermercado. A outra, em setembro,
quando a tropa de elite matou nove criminosos que se preparavam para
"julgar" um suspeito de estupro, em Várzea Paulista (Grande São Paulo).
Ficou comprovado, pelos manuscritos, que os policiais eram seguidos por
criminosos, que sabiam o percurso dos agentes e até seus hábitos, como
jogo de futebol e sinuca. A motivação para os assassinatos é
diversificada. Alguns policiais seriam eliminados por atrapalhar, no
serviço, ações do PCC. Outros, por estarem envolvidos na morte de
integrantes da facção. E, conforme investigações, alguns por cobrarem
suborno em área controlada pelo Partido do Crime. Um quarto grupo é
composto de policiais de rua, que seriam eliminados por serem alvos
fáceis e como retaliação, aleatória, contra outros agentes que
prejudicaram o PCC.
A apreensão da lista só aconteceu porque a comunidade foi tomada pelos
policiais militares, num cerco denominado Operação Saturação. Ela ocorre
em quatro regiões da periferia da Capital e Grande São Paulo.
Numa tentativa de neutralizar as ameaças, o governo estadual e o governo
federal combinaram o isolamento de Piauí. Ele foi transferido de Avaré
(SP) para a Penitenciária Federal de Porto Velho (Rondônia).
ENTREVISTA: Sargento jurado de morte pelo PCC
Sargento com 36 anos de serviço, Schmidt (foto, no detalhe) é um dos 40
policiais militares jurados de morte pelo PCC. Sua rotina estava
descrita em minúcias nos manuscritos apreendidos num QG da facção, na
favela de Paraisópolis. Acompanhe entrevista exclusiva a ZH:
Zero Hora — Como o senhor recebeu a notícia de que está marcado para morrer?
Sargento Schmidt – Cara... nunca fui de ter medo. Convivi no meu bairro
com os "malas" (assaltantes), eles na deles, eu na minha. Agora, os
noias (viciados) que devem para o Partido (PCC) devem ter entregue minha
rotina. Alguma dívida, que tem de ser paga com sangue. Meu sangue, veja
só. Logo eu, que ando na linha. Tem muito policial sem-vergonha, mas eu
não sou. Nunca me corrompi. Vou pagar? É injusto.
ZH — O que mudou na sua rotina?
Schmidt – Tudo. Ando com escolta permanente, não uso farda — eu era do
policiamento de rua —, a arma disfarçada nas costas. Minha mulher, filha
e neta se mudaram para fora da cidade. A gente vivia numa casa avaliada
em R$ 250 mil. Quero vender, mas agora se espalhou que estou precisando
e aí não oferecem nem R$ 100 mil. Tá difícil, cara (o sargento começa a
chorar, esconde o rosto com as mãos).
ZH — O seu irmão, que está aqui, também é PM. O que vocês farão?
Schmidt – Ele era PM, agora tá no comércio. Eu dependo de ajuda do comando.
Irmão de Schmidt – Ele, não sei, porque o comando vai ajudar. Eu vou sair fora da cidade. Esperar que me achem? (Humberto Trezzi)